quinta-feira, 29 de março de 2012

"Na sala de aula, o professor precisa ser um cidadão e um ser humano rebelde"(Florestan Fernandes)

             


                    Florestan Fernandes


O sociólogo não só refletiu sobre a escola brasileira, apontando seu caráter elitista, como atuou pessoalmente em defesa da educação para todos



             Foto: Florestan buscou romper com a tradição de  falsa neutralidade das ciências humanas
             Florestan buscou romper com a tradição de falsa neutralidade das ciências humanas


Florestan Fernandes nasceu em 1920 em São Paulo, filho de uma imigrante portuguesa analfabeta, que o criou sozinha, trabalhando como empregada doméstica. Aos 6 anos, Florestan também começou a trabalhar, primeiro como engraxate, depois em vários outros ofícios. Mais tarde, ele diria que esse foi o início de sua aprendizagem sociológica, pelo contato que teve com os habitantes da cidade. Aos 9 anos, a necessidade de ganhar dinheiro o fez abandonar os estudos, que só recuperaria com um curso supletivo. Aos 18, foi aprovado para o curso de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo e, por essa época, iniciou sua militância em grupos de esquerda. Depois do golpe militar de 1964, Florestan enviou uma carta à polícia protestando contra o tratamento dado a seus colegas presos e foi, ele também, para a prisão. Em 1969 foi cassado pelo regime militar. Sem poder trabalhar, deixou o Brasil e lecionou em universidades do Canadá e dos Estados Unidos. Depois da redemocratização, filiado ao Partido dos Trabalhadores, elegeu-se deputado federal em 1986 e 1990. Florestan morreu em 1995, de câncer. Publicou quase 80 livros durante a vida, nos campos da sociologia, da antropologia e da educação. A Revolução Burguesa no Brasil e Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento estão entre os títulos mais importantes.

Florestan Fernandes foi um dos mais influentes sociólogos brasileiros, mas muitos o chamavam de educador sem saber que isso o incomodava em sua modéstia. O equívoco tinha razão de ser. Vários escritos de Florestan tiveram a educação como tema e sua atuação na Câmara dos Deputados, já no fim da vida, se concentrou na área do ensino. Além disso, a preocupação com a instrução era um desdobramento natural de sua obra de sociólogo. "Em nossa época, o cientista precisa tomar consciência da utilidade social e do destino prático reservado a suas descobertas", escreveu.

Como o italiano
Antonio Gramsci (1891-1937), Florestan militava em favor do socialismo e não separava o trabalho teórico de suas convicções ideológicas. Ainda que com abordagens diferentes, ambos acreditavam que a educação e a ciência têm, potencialmente, uma grande capacidade transformadora. Por isso, deveriam ser instrumentos de elevação cultural e desenvolvimento social das camadas mais pobres da população. "Um povo educado não aceitaria as condições de miséria e desemprego como as que temos", disse ele em entrevista a NOVA ESCOLA em 1991. "A escola de qualidade, para Florestan, não era redentora da humanidade, mas um instrumento fundamental para a emancipação dos trabalhadores", diz Ana Heckert, docente da Universidade Federal do Espírito Santo.

Florestan tomou para si a tarefa de romper com a tradição de pseudoneutralidade das ciências humanas e reconstruir uma análise do Brasil abertamente comprometida com a mudança social. Segundo sua análise, uma classe burguesa controlava os mecanismos sociais no Brasil, como acontecia em quase todos os países do Ocidente. No entanto - por causa de fatores históricos como a escravidão tardia, a herança colonial e a dependência em relação ao capital externo -, a burguesia brasileira era mais resistente às mudanças sociais do que as classes dominantes dos países desenvolvidos.

                                                   Revolução incompleta


Segundo Florestan, a revolução burguesa, cujo exemplo emblemático é a de 1789 na França, não teria se completado no Brasil. Enquanto os revolucionários franceses do século 18 exigiam ensino público e universal, as elites brasileiras do século 20 ainda queriam controlar a educação para manter a maioria da população culturalmente alienada e afastada das decisões políticas. Por isso, uma das principais lutas de Florestan foi pela manutenção e pela ampliação do ensino público. "Ele acreditava que o sucateamento da escola, com péssimas condições de trabalho e estudo, fazia parte das tentativas de sufocar a democratização da sociedade por meio da restrição do acesso à cultura e à pesquisa", diz a pesquisadora Ana Heckert.

O Brasil, dizia o sociólogo, era atrasado também em relação ao que ele chamava de cultura cívica, ou seja, um compromisso em torno do mínimo interesse comum. Para Florestan, não havia tal cultura no Brasil por dois motivos: ela estimularia as massas populares a participar politicamente e ao mesmo tempo tiraria das classes dominantes a prerrogativa de fazer tudo o que quisessem sem precisar dar satisfações ao conjunto da população.Florestan bateu-se também pela democratização do ensino, entendendo a democracia como liberdade de educar e direito irrestrito de estudar. Em seus dois mandatos de deputado federal, nos anos 1980 e 1990, o sociólogo esteve envolvido em todos os debates mais importantes que ocorreram no Congresso no campo da educação. Participou ativamente da discussão, elaboração e tramitação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que só seria aprovada em 1996, um ano depois de sua morte.

Florestan defendia propostas mais radicais do que as que acabaram incluídas na lei aprovada, cujo mentor foi o antropólogo e senador Darcy Ribeiro (1922-1997). O sociólogo propunha que a lei incluísse o princípio de escola única, que abrangesse Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, conjugada com educação profissional, e possibilitasse uma escolaridade maior aos setores carentes da população. Florestan também pretendia, como meio de dar autonomia às escolas, que os diretores fossem eleitos por professores, pais e alunos. Ele queria ainda incluir na LDB um piso salarial para os professores.




 







terça-feira, 13 de março de 2012

“Ninguém pode escolher os próprios pais ou a pátria, mas cada um pode moldar sua personalidade pela educação”( Erasmo de Roterdã)

                            Professora e alunos
 
 

                       Erasmo de Roterdã

O holandês anunciou o fim do domínio religioso na Educação e defendeu a importância da leitura dos clássicos

 
 

                Foto: Embora fosse clérigo, Erasmo de Roterdã se opôs ao domínio da Igreja sobre a Educação
              Embora fosse clérigo, Erasmo de Roterdã se opôs ao domínio da Igreja sobre a Educação
 

Geert Geertz – que depois adotaria o nome literário de Erasmo – nasceu em 1469 em Roterdã, Holanda. Era filho ilegítimo de um padre e também se ordenou monge. Aos 26 anos, foi a Paris para se doutorar e hospedou-se entre os frades do Colégio Montaigu, mas não suportou o regime de austeridade. Isso o levou a procurar sustento dando aulas e organizando compêndios de provérbios latinos. Em 1499 foi para a Inglaterra, onde fez amizade com intelectuais como Thomas More. Na casa dele, escreveria sua obra-prima, O Elogio da Loucura. Convites de nobres e atividades acadêmicas levaram Erasmo a viajar pela Europa até o fim da vida. Acusado de inspirar Martinho Lutero a se rebelar contra a Igreja, Erasmo se viu obrigado a entrar em polêmica pública com o religioso alemão. O episódio se desdobrou em outras disputas teológicas até sua morte, em 1536, em Basiléia, na Suíça. A obra mais importante de Erasmo sobre educação é Civilidade Pueril.

Embora fosse clérigo e profundamente cristão, o filósofo holandês Erasmo de Roterdã passou para a história por se opor ao domínio da Igreja sobre a educação, a cultura e a ciência. A influência religiosa vigorou praticamente sem contestação durante toda a Idade Média no Ocidente e ainda no tempo de Erasmo era preciso ousadia para ir contra ela. De qualquer modo, ousadia individual fazia parte das atitudes que um número crescente de intelectuais começava a enaltecer no período de transição para a Idade Moderna, entre eles o filósofo holandês. O pensamento nascente defendia a liberação da criatividade e da vontade do ser humano, em oposição ao pensamento escolástico, segundo o qual todas as questões terrenas deviam subordinar-se à religião.

O antropocentrismo – o predomínio do humano sobre o transcendente – era o eixo dessa nova filosofia, que seria posteriormente conhecida sob o nome de humanismo. A palavra deriva da expressão latina studia humanitatis, que se referia ao aprendizado, nas universidades, de poética, retórica, história, ética e filosofia, entre outras disciplinas. Elas eram conhecidas como artes liberais, porque se acreditava que dariam ao ser humano instrumentos para exercer sua liberdade pessoal.

                                   Influência continental

A mais típica cultura humanista se desenvolveu nas cidades do norte da Itália, mas o mesmo espírito irradiou-se por toda a Europa. Entre os não-italianos, Erasmo foi o representante mais influente dessa corrente de pensamento. “Ele era o intelectual mais respeitado e prestigiado de seu tempo e sempre esteve ligado aos círculos de poder europeus”, diz Cézar de Alencar Arnaut de Toledo, professor da Universidade Estadual de Maringá.

A fonte original de todo humanismo foi a literatura clássica. A época era de redescoberta e reinterpretação da produção cultural da antigüidade greco-romana. O interesse por esse período da história foi acompanhado por uma série de mudanças profundas na vida européia: a revitalização das cidades, a formação de redes de comércio entre centros distantes, a consolidação de uma classe mercantil muito abastada, a criação de bancos e a centralização do poder político em torno de cidades ou de reinos. Tudo isso ocasionou a abertura de brechas na autoridade da Igreja, antes onipresente. Por razões evidentes, esse período histórico de grandes transições ficou conhecido como Renascimento, dando origem a uma produção cultural das mais ricas e fecundas de todos os tempos.

Erasmo se inseria no panorama cultural como um símbolo da nova era. Num tempo em que os papas insuflavam guerras e acumulavam fortunas e o clero dava fartas mostras de ostentação, hipocrisia e arrogância, Erasmo pregou a volta aos valores cristãos originais, a começar pela paz. Sua obra mais célebre, O Elogio da Loucura, é uma sátira à inversão de valores que detectava na sociedade de seu tempo. A moralidade estava no centro das preocupações do filósofo e deveria, de acordo com ele, ser a fonte e o objetivo final da educação.

                   A perfeição por meio do conhecimento

O religioso criticava as escolas de seu tempo, em geral administradas por clérigos que baseavam sua pedagogia em manuais imutáveis, repetições de conceitos e princípios de disciplina com traços de sadismo. O filósofo via nos livros um imenso tesouro cultural, que deveria constituir a base do ensino. “Para Erasmo, a linguagem era o começo de toda boa educação, já que é sinal da razão humana”, afirma Cézar de Toledo. Não se trata apenas de alfabetização e leitura, mas de interpretar os textos criticamente, prática que os humanistas e reformadores religiosos introduziram na história da pedagogia. Erasmo acreditava que um bom aprendizado das artes liberais até os 18 anos prepararia o jovem para entender qualquer coisa com facilidade. Como todo humanista, o pensador holandês defendia a possibilidade de chegar à perfeição por via do conhecimento. “Erasmo prenuncia novos rumos para a pedagogia ao deter um olhar mais acurado na infância”, diz Toledo. Para o filósofo, ao ensinar era necessário levar em conta a pouca idade da criança – e por isso cercá-la de cuidados específicos – e também a índole de cada uma. O programa pedagógico do pensador era generoso, mas de modo algum democrático. Segundo ele, apenas a instrução religiosa deveria ser para todos, enquanto os estudos das artes liberais estariam restritos aos filhos da elite, que futuramente teriam cargos decisórios.

                                      História no centro do saber

As críticas de Erasmo ao clero, assim como seu interesse pelos estudos da linguagem, o aproximaram de Martinho Lutero (1483-1546), o monge alemão que deu origem ao protestantismo. Mas o filósofo holandês combatia a idéia de predestinação de Lutero por acreditar firmemente no livre-arbítrio dos seres humanos – todos são capazes de distinguir o bem e o mal, segundo ele. Além disso, sempre pregou o diálogo entre as facções discordantes no interior do cristianismo.

No campo propriamente pedagógico, o interesse de Erasmo pelo conhecimento das línguas antigas semeou o terreno para o estudo do passado, em particular do Novo Testamento e dos primeiros pensadores da fé cristã. A ênfase na história do homem e o estudo dos acontecimentos pretéritos ergueram um dos principais pilares da educação moderna. A cultura medieval, ao contrário, se construíra em torno do ideal de intemporalidade.

A então recente invenção da impressora de tipos móveis, pelo alemão Johannes Gutenberg, entusiasmava Erasmo com a promessa de ampla circulação de textos da literatura clássica. Ele via o conhecimento dos livros como alternativa saudável à educação religiosa que recebera. Segundo Erasmo, o ensino que havia conhecido “tentava ensinar humildade destruindo o espírito das crianças”.

Outros valores renascentistas, como a exaltação da beleza e do prazer, se encontravam em profusão nos clássicos greco-romanos. Para Erasmo, esses princípios eram mais interessantes do que as abstrações da filosofia escolástica. Além disso, dizia ele, o prazer físico e o bom humor não conflitam com o cristianismo.

Apesar da notoriedade de que desfrutou em vida, Erasmo foi desprezado pelas gerações seguintes. Suas idéias seriam retomadas cerca de um século depois pelo educador tcheco João Comênio
(1592-1670), considerado o pai da didática moderna
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sábado, 10 de março de 2012

“Um dos maiores danos que se pode causar a uma criança é levá-la a perder a confiança na sua própria capacidade de pensar” (Emília Ferreiro)

              
Emilia Ferreiro

A psicolingüista argentina desvendou os mecanismos pelos quais as crianças aprendem a ler e escrever, o que levou os educadores a reverem radicalmente seus métodos



          Foto: Os livros de Emilia Ferreiro chegaram aqui nos anos 80 e logo alcançaram grande repercussão
            Os livros de Emilia Ferreiro chegaram aqui nos anos 80 e logo alcançaram grande
            repercussão 
 

Emilia Ferreiro nasceu na Argentina em 1936. Doutorou-se na Universidade de Genebra, sob orientação do biólogo Jean Piaget, cujo trabalho de epistemologia genética (uma teoria do conhecimento centrada no desenvolvimento natural da criança) ela continuou, estudando um campo que o mestre não havia explorado: a escrita. A partir de 1974, Emilia desenvolveu na Universidade de Buenos Aires uma série de experimentos com crianças que deu origem às conclusões apresentadas em Psicogênese da Língua Escrita, assinado em parceria com a pedagoga espanhola Ana Teberosky e publicado em 1979. Emilia é hoje professora titular do Centro de Investigação e Estudos Avançados do Instituto Politécnico Nacional, da Cidade do México, onde mora. Além da atividade de professora – que exerce também viajando pelo mundo, incluindo freqüentes visitas ao Brasil –, a psicolingüista está à frente do site http://www.chicosyescritores.org/, em que estudantes escrevem em parceria com autores consagrados e publicam os próprios textos.

Nenhum nome teve mais influência sobre a educação brasileira nos últimos 20 anos do que o da psicolingüista argentina Emilia Ferreiro. A divulgação de seus livros no Brasil, a partir de meados dos anos 1980, causou um grande impacto sobre a concepção que se tinha do processo de alfabetização, influenciando as próprias normas do governo para a área, expressas nos Parâmetros Curriculares Nacionais. As obras de Emilia – Psicogênese da Língua Escrita é a mais importante – não apresentam nenhum método pedagógico, mas revelam os processos de aprendizado das crianças, levando a conclusões que puseram em questão os métodos tradicionais de ensino da leitura e da escrita. “A história da alfabetização pode ser dividida em antes e depois de Emilia Ferreiro”, diz a educadora Telma Weisz, que foi aluna da psicolingüista.

Emilia Ferreiro se tornou uma espécie de referência para o ensino brasileiro e seu nome passou a ser ligado ao construtivismo, campo de estudo inaugurado pelas descobertas a que chegou o biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980) na investigação dos processos de aquisição e elaboração de conhecimento pela criança – ou seja, de que modo ela aprende. As pesquisas de Emilia Ferreiro, que estudou e trabalhou com Piaget, concentram o foco nos mecanismos cognitivos relacionados à leitura e à escrita. De maneira equivocada, muitos consideram o construtivismo um método.

Tanto as descobertas de Piaget como as de Emilia levam à conclusão de que as crianças têm um papel ativo no aprendizado. Elas constroem o próprio conhecimento – daí a palavra construtivismo. A principal implicação dessa conclusão para a prática escolar é transferir o foco da escola – e da alfabetização em particular – do conteúdo ensinado para o sujeito que aprende, ou seja, o aluno. “Até então, os educadores só se preocupavam com a aprendizagem quando a criança parecia não aprender”, diz Telma Weisz. “Emilia Ferreiro inverteu essa ótica com resultados surpreendentes.”
 

                                                 Idéias que o Brasil adotou


As pesquisas de Emilia Ferreiro e o termo construtivismo começaram a ser divulgados no Brasil no início da década de 1980. As informações chegaram primeiro ao ambiente de congressos e simpósios de educadores. O livro-chave de Emilia, Psicogênese da Língua Escrita, saiu em edição brasileira em 1984. As descobertas que ele apresenta tornaram-se assunto obrigatório nos meios pedagógicos e se espalharam pelo Brasil com rapidez, a ponto de a própria autora manifestar sua preocupação quanto à forma como o construtivismo estava sendo encarado e transposto para a sala de aula. Mas o construtivismo mostrou sua influência duradoura ao ser adotado pelas políticas oficiais de vários estados brasileiros. Uma das experiências mais abrangentes se deu no Rio Grande do Sul, onde a Secretaria Estadual de Educação criou um Laboratório de Alfabetização inspirado nas descobertas de Emilia Ferreiro. Hoje, o construtivismo é a fonte da qual derivam várias das diretrizes oficiais do Ministério da Educação. Segundo afirma a educadora Telma Weisz na apresentação de uma das reedições de Psicogênese da Língua Escrita, "a mudança da compreensão do processo pelo qual se aprende a ler e a escrever afetou todo o ensino da língua", produzindo "experimentação pedagógica suficiente para construir, a partir dela, uma didática".

                                        Etapas de aprendizado


Segundo Emilia, a construção do conhecimento da leitura e da escrita tem uma lógica individual, embora aberta à interação social, na escola ou fora dela. No processo, a criança passa por etapas, com avanços e recuos, até se apossar do código lingüístico e dominá-lo. O tempo necessário para o aluno transpor cada uma das etapas é muito variável. Duas das conseqüências mais importantes do construtivismo para a prática de sala de aula são respeitar a evolução de cada criança e compreender que um desempenho mais vagaroso não significa que ela seja menos inteligente ou dedicada do que as demais. Outra noção que se torna importante para o professor é que o aprendizado não é provocado pela escola, mas pela própria mente das crianças e, portanto, elas já chegam a seu primeiro dia de aula com uma bagagem de conhecimentos. “Emilia mostrou que a construção do conhecimento se dá por seqüências de hipóteses”, diz Telma Weisz.

De acordo com a teoria exposta em Psicogênese da Língua Escrita, toda criança passa por quatro fases até que esteja alfabetizada:
• pré-silábica: não consegue relacionar as letras com os sons da língua falada;
• silábica: interpreta a letra a sua maneira, atribuindo valor de sílaba a cada uma;
• silábico-alfabética: mistura a lógica da fase anterior com a identificação de algumas sílabas;
• alfabética: domina, enfim, o valor das letras e sílabas.

O princípio de que o processo de conhecimento por parte da criança deve ser gradual corresponde aos mecanismos deduzidos por Piaget, segundo os quais cada salto cognitivo depende de uma assimilação e de uma reacomodação dos esquemas internos, que necessariamente levam tempo. É por utilizar esses esquemas internos, e não simplesmente repetir o que ouvem, que as crianças interpretam o ensino recebido. No caso da alfabetização, isso implica uma transformação da escrita convencional dos adultos. Para o construtivismo, nada mais revelador do funcionamento da mente de um aluno do que seus supostos erros, porque evidenciam como ele “releu” o conteúdo aprendido. O que as crianças aprendem não coincide com aquilo que lhes foi ensinado
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                                     Compreensão do conteúdo


Com base nesses pressupostos, Emilia Ferreiro critica a alfabetização tradicional, porque julga a prontidão das crianças para o aprendizado da leitura e da escrita por meio de avaliações de percepção (capacidade de discriminar sons PARA PENSAR e sinais, por exemplo) e de motricidade (coordenação, orientação espacial etc.). Dessa forma, dá-se peso excessivo para um aspecto exterior da escrita (saber desenhar as letras) e deixa-se de lado suas características conceituais, ou seja, a compreensão da natureza da escrita e sua organização. Para os construtivistas, o aprendizado da alfabetização não ocorre desligado do conteúdo da escrita.

É por não levar em conta o ponto mais importante da alfabetização que os métodos tradicionais insistem em introduzir os alunos à leitura com palavras aparentemente simples e sonoras (como babá, bebê, papa), mas que, do ponto de vista da assimilação das crianças, simplesmente não se ligam a nada. Segundo o mesmo raciocínio equivocado, o contato da criança com a organização da escrita é adiado para quando ela já for capaz de ler as palavras isoladas, embora as relações que ela estabelece com os textos inteiros sejam enriquecedoras desde o início. Compreender a escrita interiormente significa compreender um código social. Por isso, segundo Emilia Ferreiro, a alfabetização também é uma forma de se apropriar das funções sociais da escrita. De acordo com suas conclusões, desempenhos díspares apresentados por crianças de classes sociais diferentes na alfabetização não revelam capacidades desiguais, mas o acesso maior ou menor a textos lidos e escritos desde os primeiros anos de vida.