segunda-feira, 25 de junho de 2012

“A educação deve formar seres aptos para governar a si mesmos e não para ser governados pelos outros”(Herbert Spencer)




                         Herbert Spencer


O teórico inglês buscou no evolucionismo os mecanismos e objetivos da sociedade, e defendeu o ensino da ciência para formar adultos competitivos

 
            Foto: Para Spencer, havia uma regra fundamental da matéria: a lei da persistência da força
         Para Spencer, havia uma regra fundamental da matéria: a lei da persistência da força



Herbert Spencer nasceu em Derby, Inglaterra, em 1820, e desde a adolescência mostrou ter uma personalidade anti-conformista. Aos 13 anos, tentou fugir da educação oferecida por um tio que era pastor protestante, mas teve que voltar à escola, onde se manteve até os 16. Depois disso, deu continuidade sozinho a sua formação, com leituras que se concentraram acima de tudo em ciências. Queria ser inventor e acabou, pelo conhecimento que adquiriu sozinho, trabalhando como engenheiro ferroviário. Paralelamente, começou a publicar artigos em que já defendia idéias liberais, argumentando que a ação dos governos não deveria ir além de garantir os direitos naturais dos cidadãos. Em 1848, tornou-se subeditor da revista The Economist, onde trabalhou até 1853, quando recebeu uma herança do tio e passou a se dedicar apenas a escrever livros – atividade que manteve até a morte, em 1903. Spencer relacionou-se com os principais intelectuais ingleses de seu tempo e manteve um romance com a escritora George Eliot (pseudônimo de Marian Evans). Sua obra teve enorme repercussão dentro e fora da Grã-Bretanha. Alguns dos principais livros de Spencer são: Filosofia Sintética (que publicou em série, com pagamento de assinatura antecipada por seus admiradores), O Homem contra o Estado, Educação Intelectual, Moral e Física e Autobiografia.

Tendo vivido num tempo de grandes avanços científicos, o filósofo inglês Herbert Spencer foi o principal representante do evolucionismo nas ciências humanas. Ele intuiu a existência de regras evolucionistas na natureza antes de seu compatriota, o naturalista Charles Darwin (1809-1882), formular a revolucionária teoria da evolução das espécies. É ele o autor da expressão “sobrevivência do mais apto”, muitas vezes atribuída a Darwin.

O filósofo aplicou à sociologia idéias que retirou das ciências naturais, criando um sistema de pensamento muito influente a seu tempo. Suas conclusões o levaram a defender a primazia do indivíduo perante a sociedade e o Estado, e a natureza como fonte da verdade, incluindo a verdade moral. No campo pedagógico, Spencer fez campanha pelo ensino da ciência, combateu a interferência do Estado na educação e afirmou que o principal objetivo da escola era a construção do caráter (leia quadro na página 58). “Ele dizia que os conhecimentos úteis, que serviriam para formar os homens de negócios e produzir o bem-estar pessoal, eram desprezados em favor do ensino das humanidades, que davam mais prestígio”, diz a professora Maria Angélica Lucas, da Universidade Estadual de Maringá.

Para Spencer, havia uma lei fundamental da matéria, que ele chamou de lei da persistência da força. Segundo ela, a tendência natural de todas as coisas é, desde a primeira interação com forças externas, sair da homogeneidade rumo à heterogeneidade e à variedade. À medida que as forças vindas de fora continuam a agir sobre o que antes era homogêneo, maior se torna o grau de variedade.

                            Conhecer, só pela razão

Baseado nessa observação, Spencer deduziu um princípio para todo desenvolvimento, que é a lei da multiplicação dos efeitos, causada por uma força absoluta que não pode ser conhecida pelo entendimento humano. Trata-se, para Spencer, de uma lei da natureza, uma vez que ele se recusava a levar em conta, para efeito científico, a possibilidade de forças sobrenaturais. O filósofo, herdeiro da linhagem empirista britânica e também influenciado pelo positivismo, era agnóstico e combatia a influência religiosa no ensino e na ciência. O próprio termo agnosticismo, para se referir a uma postura filosófica que só admite os conhecimentos adquiridos pela razão, foi criado por um amigo e defensor de Spencer e Darwin, o naturalista Thomas Huxley (1825-1895).

De acordo com Spencer, o processo de desenvolvimento segue a mesma lei em todos os campos, da formação do universo à transformação das espécies. Seu entendimento inicial da evolução biológica se baseava na concepção errônea de que as sucessivas gerações de uma mesma espécie herdam das anteriores as características adquiridas do ambiente. Essa era a teoria do naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829), derrubada por Darwin. Ele mostrou que o mecanismo da evolução é a seleção natural, pela qual sobrevivem as variedades animais e vegetais mais adaptáveis às condições ambientais. Tão logo conheceu as conclusões de Darwin, Spencer reformulou sua teoria.

                                Perfeição industrial

Aplicado à sociedade, o princípio evolucionista universal do filósofo o levou a perceber um processo de individuação permanente, que levaria à crescente divisão do trabalho nos agrupamentos humanos. Desse modo, hordas primitivas e indiferenciadas evoluem para se tornar civilizações cada vez mais complexas, nas quais especialização e cooperação avançam lado a lado. A história dos povos, segundo Spencer, contrapõe sociedades guerreiras, mantidas coesas à força, e sociedades industriais, fundamentadas na competição, mas também na cooperação espontânea.

Um prolongamento da dicotomia entre sociedades guerreiras e industriais, para Spencer, seria o contraste entre o despotismo, associado a estágios primitivos, e o individualismo, associado ao avanço civilizador. A sociedade industrial corresponderia, assim, a um aperfeiçoamento natural do sistema econômico e das instituições.

O pensamento de Spencer corresponde a um desejo, muito vivo em sua época, de explicações globais que organizassem os fatos de modo a simplificá-los. No período, foram produzidas numerosas teorias que hoje chamamos de deterministas, por almejarem, no campo das ciências humanas, a exatidão matemática. A noção de que tudo se encaminha para resultados previsíveis e inevitáveis, uma vez que deixadas ao sabor de seu suposto curso natural, levou Spencer e muitos de seus contemporâneos (e também alguns pensadores de outros tempos, anteriores e posteriores) a supor que esses resultados eram também moralmente desejáveis. Nasce daí a idéia, ainda hoje vigorosa, de que a interferência do Estado na vida cotidiana impede os desenvolvimentos considerados normais. “Spencer acreditava que a lei da oferta e da procura devia estender-se da esfera econômica para a esfera educacional”, diz a professora Maria Angélica.


                  Ensino dependia da iniciativa privada

Ao contrário do que acontecia na Europa continental, na Grã-Bretanha do início do século 19 o ensino era um assunto privado. A primeira ingerência pública na educação foi uma resolução aprovada pelo Parlamento em 1802, pedindo aos empregadores que providenciassem instrução para seus funcionários – como não havia obrigação atrelada, o efeito foi nulo. Quando não era paga, a educação britânica dependia da filantropia. Só na década de
1830 o governo passou a reservar uma parte do orçamento para o ensino. Na virada para o século 20, no entanto, quase toda a formação elementar (equivalente ao Ensino Fundamental) já era provida pelo
Estado. Herbert Spencer defendeu a escola privada até o fim da vida, porque considerava que a interferência do Estado, sendo igual para todos, poderia sustentar estudantes que não estariam, por natureza, aptos a competir em sociedade. “De acordo com a filosofia spenceriana, seria fatal se o regime da família, em que a solidariedade faz com que o mais apto ajude o menos apto, regulasse a sociedade, onde o que conta é a luta pela vida”, diz a professora Maria Angélica.
Seguindo outra tradição britânica, Spencer acreditava que a função principal da educação era formar o caráter. Sua defesa do ensino prioritário da ciência tinha o objetivo de fornecer aos jovens um conhecimento sobre o funcionamento da natureza que lhes desse meios de se ajustar às exigências do mundo.


                                         Para pensar

Nos dias de hoje, é difícil encontrar seguidores fiéis do evolucionismo de Herbert Spencer, mas muito se fala de uma tendência de pensamento bem semelhante, que é chamada, um pouco caricaturalmente, de darwinismo social. A educação voltada sobretudo para formar jovens competitivos costuma estar relacionada a essa concepção de mundo.





quinta-feira, 21 de junho de 2012

"A criança responde às impressões que as coisas lhe causam com gestos dirigidos a elas”





                                                Henri Wallon

Militante apaixonado, o médico, psicólogo e filósofo francês mostrou que as crianças têm também corpo e emoções (e não apenas cabeça) na sala de aula



Foto: Wallon levou não só o corpo da criança mas também suas emoções para dentro da sala de aula
Wallon levou não só o corpo da criança mas também suas emoções para dentro da sala de aula

Henri Paul Hyacinthe Wallon nasceu em Paris, França, em 1879. Graduou-se em medicina e psicologia. Fez também filosofia. Atuou como médico na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), ajudando a cuidar de pessoas com distúrbios psiquiátricos. Em 1925, criou um laboratório de psicologia biológica da criança. Quatro anos mais tarde, tornou-se professor da Universidade Sorbonne e vice-presidente do Grupo Francês de Educação Nova – instituição que ajudou a revolucionar o sistema de ensino daquele país e da qual foi presidente de 1946 até morrer, também em Paris, em 1962. Ao longo de toda a vida, dedicou-se a conhecer a infância e os caminhos da inteligência nas crianças.
Militante de esquerda, participou das forças de resistência contra
Adolf Hitler e foi perseguido pela Gestapo (a polícia política nazista) durante a Segunda Guerra (1939-1945). Em 1947, propôs mudanças estruturais no sistema educacional francês. Coordenou o projeto Reforma do Ensino, conhecido como Langevin-Wallon – conjunto de propostas equivalente à nossa Lei de Diretrizes e Bases. Nele, por exemplo, está escrito que nenhum aluno deve ser reprovado numa avaliação escolar. Em 1948, lançou a revista Enfance, que serviria de plataforma de novas idéias no mundo da educação – e que rapidamente se transformou numa espécie de bíblia para pesquisadores e professores.

Falar que a escola deve proporcionar formação integral (intelectual, afetiva e social) às crianças é comum hoje em dia. No início do século passado, porém, essa idéia foi uma verdadeira revolução no ensino. Uma revolução comandada por um médico, psicólogo e filósofo francês chamado Henri Wallon. Sua teoria pedagógica, que diz que o desenvolvimento intelectual envolve muito mais do que um simples cérebro, abalou as convicções numa época em que memória e erudição eram o máximo em termos de construção do conhecimento.

Wallon foi o primeiro a levar não só o corpo da criança mas também suas emoções para dentro da sala de aula. Fundamentou suas idéias em quatro elementos básicos que se comunicam o tempo todo: a afetividade, o movimento, a inteligência e a formação do eu como pessoa. Militante apaixonado (tanto na política como na educação), dizia que reprovar é sinônimo de expulsar, negar, excluir. Ou seja, “a própria negação do ensino”.

As emoções, para Wallon, têm papel preponderante no desenvolvimento da pessoa. É por meio delas que o aluno exterioriza seus desejos e suas vontades. Em geral são manifestações que expressam um universo importante e perceptível, mas pouco estimulado pelos modelos tradicionais de ensino.

                                                      Afetividade


As transformações fisiológicas em uma criança (ou, nas palavras de Wallon, em seu sistema neurovegetativo) revelam traços importantes de caráter e personalidade. “A emoção é altamente orgânica, altera a respiração, os batimentos cardíacos e até o tônus muscular, tem momentos de tensão e distensão que ajudam o ser humano a se conhecer”, explica Heloysa Dantas, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), estudiosa da obra de Wallon há 20 anos. Segundo ela, a raiva, a alegria, o medo, a tristeza e os sentimentos mais profundos ganham função relevante na relação da criança com o meio. “A emoção causa impacto no outro e tende a se propagar no meio social”, completa a pedagoga Izabel Galvão, também da USP. Ela diz que a afetividade é um dos principais elementos do desenvolvimento humano.

                                              Movimento


Segundo a teoria de Wallon, as emoções dependem fundamentalmente da organização dos espaços para se manifestarem. A motricidade, portanto, tem caráter pedagógico tanto pela qualidade do gesto e do movimento quanto por sua representação. Por que, então, a disposição do espaço não pode ser diferente? Não é o caso de quebrar a rigidez e a imobilidade adaptando a sala de aula para que as crianças possam se movimentar mais? Mais que isso, que tipo de material é disponibilizado para os alunos numa atividade lúdica ou pedagógica? Conforme as idéias de Wallon, a escola infelizmente insiste em imobilizar a criança numa carteira, limitando justamente a fluidez das emoções e do pensamento, tão necessária para o desenvolvimento completo da pessoa.

Estudos realizados por Wallon com crianças entre 6 e 9 anos mostram que o desenvolvimento da inteligência depende essencialmente de como cada uma faz as diferenciações com a realidade exterior. Primeiro porque, ao mesmo tempo, suas idéias são lineares e se misturam – ocasionando um conflito permanente entre dois mundos, o interior, povoado de sonhos e fantasias, e o real, cheio de símbolos, códigos e valores sociais e culturais.

Nesse conflito entre situações antagônicas ganha sempre a criança. É na solução dos confrontos que a inteligência evolui. Wallon diz que o sincretismo (mistura de idéias num mesmo plano), bastante comum nessa fase, é fator determinante para o desenvolvimento intelectual. Daí se estabelece um ciclo constante de boas e novas descobertas.


                                                      O eu e o outro


A construção do eu na teoria de Wallon depende essencialmente do outro. Seja para ser referência, seja para ser negado. Principalmente a partir do instante em que a criança começa a viver a chamada crise de oposição, em que a negação do outro funciona como uma espécie de instrumento de descoberta de si própria. Isso se dá aos 3 anos de idade, a hora de saber que “eu” sou. “Manipulação (agredir ou se jogar no chão para alcançar o objetivo), sedução (fazer chantagem emocional com pais e professores) e imitação do outro são características comuns nessa fase”, diz a professora Angela Bretas, da Escola de Educação Física da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “Até mesmo a dor, o ódio e o sofrimento são elementos estimuladores da construção do eu”, emenda Heloysa Dantas. Isso justifica o espírito crítico da teoria walloniana aos modelos convencionais de educação.

            Wallon na escola: humanizar a inteligência


Diferentemente dos métodos tradicionais (que priorizam a inteligência e o desempenho em sala de aula), a proposta walloniana põe o desenvolvimento intelectual dentro de uma cultura mais humanizada. A abordagem é sempre a de considerar a pessoa como um todo. Elementos como afetividade, emoções, movimento e espaço físico se encontram num mesmo plano. As atividades pedagógicas e os objetos, assim, devem ser trabalhados de formas variadas. Numa sala de leitura, por exemplo, a criança pode ficar sentada, deitada ou fazendo coreografias da história contada pelo professor. Os temas e as disciplinas não se restringem a trabalhar o conteúdo, mas a ajudar a descobrir o eu no outro. Essa relação dialética ajuda a desenvolver a criança em sintonia com o meio.

                                     Para pensar


A teoria de Henri Wallon ainda é um desafio para muitos pais, escolas e professores. Sua obra faz uma resistência contumaz aos métodos pedagógicos tradicionais. Numa época de crises, guerras, separações e individualismos como a nossa, não seria melhor começar a pôr em prática nas escolas idéias mais humanistas, que valorizem desde cedo a importância das emoções?

quinta-feira, 10 de maio de 2012

“A escola não é de modo algum o mundo, nem deve ser tomada como tal; é antes a instituição que se interpõe entre o mundo e o domínio privado do lar”(Hannah Arendt)




Hannah Arendt



Para a cientista política, os adultos devem assumir a responsabilidade de conduzir as crianças por caminhos que elas desconhecem




Foto: Como filósofa interessada no fenômeno do pensamento, Arendt não deixou de se ocupar do ensino
Como filósofa interessada no fenômeno do pensamento, Arendt não deixou de se ocupar do ensino



Hannah Arendt nasceu em 1906, em Hannover, na Alemanha, de uma família judia. Cedo ela direcionou seus estudos para a filosofia, passando a se dedicar à ciência política. Na Universidade de Marburg, foi aluna do filósofo Martin Heidegger (1889-1976), com quem manteve uma ligação amorosa que se estendeu por 50 anos – período durante o qual ela foi casada duas vezes e ele uma. O nazismo levou Arendt a emigrar, em 1933, para Paris, de onde teve novamente de fugir em 1940, indo para Nova York. Naturalizou-se norte-americana em 1951, ano em que publicou seu primeiro livro, As Origens do Totalitarismo. Ao adotar uma perspectiva liberal, que não se alinhava com os extremos ideológicos, Arendt construiu um pensamento independente e crítico, até mesmo, às vezes, em relação a grupos com os quais compartilhava idéias, como os sionistas e a esquerda não marxista. Morreu em 1975 em Nova York, onde era professora universitária.

Ela foi uma das principais pensadoras da política no século 20, mas sua obra inspira estudos em outras áreas, entre elas a educação. Poucos intelectuais atuaram tão diretamente em seu tempo como Arendt, que foi vítima, ainda jovem, da perseguição nazista em sua Alemanha natal.

Como uma filósofa (designação que a desagradava) interessada em particular no fenômeno do pensamento e no modo como ele opera em “tempos sombrios”, Arendt não poderia deixar de se ocupar do ensino. A pensadora abordou o assunto em dois textos, A Crise na Educação (incluído no livro Entre o Passado e o Futuro) e, mais indiretamente, Reflexões sobre Little Rock, escritos em 1958 e 1959 respectivamente. Na época, as salas de aula nos Estados Unidos – para onde se mudou em 1940 – se viam invadidas por questões sociais como a violência, o conflito de gerações e o racismo.


É no primeiro dos dois textos que Arendt apresenta, com a habitual veemência e coragem, uma visão bastante crítica do tipo de educação considerada “moderna”, naquela época e também hoje. Em poucas páginas, ela questiona em profundidade alguns dos conceitos pedagógicos mais difundidos desde fins do século 19, e que se originam do movimento da Escola Nova e da concepção do trabalho educativo como um aprendizado “para a vida”.

“A função da escola é ensinar às crianças como o mundo é, e não instruí-las na arte de viver”, escreve Arendt. Sua argumentação é a favor da autoridade na sala de aula e sua visão educativa é assumidamente conservadora. “Isso não quer dizer que ela defenda um professor autoritário”, diz Maria de Fátima Simões Francisco, professora de filosofia da educação da Universidade de São Paulo. Nem se trata de ser favorável à escola como um agente da manutenção da ordem estabelecida. Ao contrário, Arendt acreditava que o aluno deve ser apresentado ao mundo e estimulado a mudá-lo.

                                                    Educação sem política

Arendt defendia o conservadorismo na educação, mas não na política. Para ela, o campo político deveria se renovar constantemente, movido pelos objetivos da igualdade e da liberdade civil. Ao reivindicar a total separação entre política e educação, Arendt rejeita linhas de pensamento que partem de filósofos como Platão (427-347 a.C.) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).

Segundo a pensadora, a política é uma área que pertence apenas aos adultos, agindo como iguais – igualdade que não poderia existir entre crianças e adultos. Ela critica a educação moderna por ter posto em prática “o absurdo tratamento das crianças como uma minoria oprimida carente de libertação”. “Hannah Arendt defende que cabe aos adultos conduzir as crianças”, diz Maria de Fátima Simões Francisco.


                                          O papel da tradição

Dessas considerações nasce a defesa da autoridade, uma vez que a escola deverá trazer instrução, isto é, conhecimentos que o aluno não tem. Esse processo não é apenas de aprendizado, mas de preservação do mundo, entendido como a cultura em sua totalidade. Numa formulação ousada, a pensadora defende que é preciso proteger “a criança do mundo e o mundo da criança” – uma vez que o “assédio do novo” é potencialmente destrutivo.

A preocupação com a perda da “tradição”, definida como “o fio que nos guia com segurança através dos vastos domínios do passado”, foi o que levou Arendt a escrever sobre educação. A relação entre crianças e adultos não pode, segundo ela, ficar restrita “à ciência específica da pedagogia”, já que se trata de preservar o patrimônio global da humanidade. “Está presente a idéia de que o planeta não pertence só a nós que vivemos nele agora, mas a todos que já estiveram aqui”, diz Maria de Fátima.

“A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele”, escreve Arendt, acrescentando que “a educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos”.


                                                  O mal da irreflexão

A obra mais difundida de Hannah Arendt origina-se de uma reportagem que lhe foi encomendada pela revista New Yorker. No ano de 1961, ela foi enviada a Israel para cobrir o julgamento do alto burocrata nazista Adolf Eichmann. No livro Eichmann em Jerusalém, a pensadora cunhou a expressão que a celebrizou: “a banalidade do mal”, em referência aos códigos aparentemente lógicos e até sensatos com que o totalitarismo se propaga e ganha poder.

Durante o julgamento, chamou a atenção da pensadora a figura prosaica do réu. Em Eichmann, um homem de aparência equilibrada e comum, Arendt identificou alguém habituado a não pensar. Os perigos da irreflexão, como sinal de alienação da realidade, constituem um dos principais eixos de uma obra que pode trazer contribuições para a educação em muitos aspectos.

No artigo A Crise na Educação, Arendt dá ênfase ao conceito de responsabilidade dos adultos tanto em relação ao mundo como às crianças. “Formar para o mundo significa, entre outras coisas, adquirir a noção do coletivo”, diz a educadora Maria de Fátima Simões Francisco. É um processo que só se realiza, em cada aluno, com a intervenção do pensamento para a criação de uma ética perante o grupo.











domingo, 29 de abril de 2012

"O aluno não só deve comunicar uma informação como também precisa afirmar que o que diz é verdadeiro dentro de um sistema determinado"(Guy Brousseau)

                      Guy Brousseau


Os estudos do pai da didática da Matemática definiram as condições de ensino e aprendizagem



Foto: pai da didática
     
 
Desde o educador tcheco Comênio (1592-1670), a palavra "didática" vem se referindo aos estudos sobre os métodos de ensino que levassem a procedimentos gerais mais eficazes. No século 20, com os estudos de Lev Vygotsky (1896-1934) e Jean Piaget (1896-1980), o modo como as crianças aprendem começou a ser investigado. Nas últimas décadas, a pesquisa didática se aprofundou na relação específica entre conteúdos de ensino, a maneira como os alunos adquirem conhecimentos e os métodos.

No campo das matemáticas - assim entendidos os vários saberes que a disciplina engloba -, esse trabalho vem avançando e o francês Guy Brousseau é um dos responsáveis por isso. "Como um dos pioneiros da Didática da Matemática, ele desenvolveu uma teoria para compreender as relações que acontecem entre alunos, professor e saber em sala de aula e, ao mesmo tempo, propôs situações que foram experimentadas e analisadas cientificamente", diz Priscila Monteiro, selecionadora do
Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10. Docentes e estudantes são atores indispensáveis da relação de ensino e aprendizagem, mas Brousseau se perguntou sobre um terceiro elemento: o meio em que a situação evolui. A Teoria das Situações Didáticas desenvolvida por ele se baseia no princípio de que "cada conhecimento ou saber pode ser determinado por uma situação", entendida como uma ação entre duas ou mais pessoas. Para que ela seja solucionada, é preciso que os alunos mobilizem o conhecimento correspondente. Um jogo, por exemplo, pode levar o estudante a usar o que já sabe para criar uma estratégia adequada.
Nesse caso, o professor adia a emissão do conhecimento ou as possíveis correções até que as crianças consigam chegar à regra e validá-la. Ele deve propor um problema para que elas possam agir, refletir, falar e evoluir por iniciativa própria, criando assim condições para que tenham um papel ativo no processo de aprendizagem. Brousseau chama essa situação de adidática. Mas, segundo o pesquisador, a criança ainda "não terá adquirido, de fato, um saber até que consiga usá-lo fora do contexto de ensino e sem nenhuma indicação intencional".
 
 

quarta-feira, 18 de abril de 2012

"No caso do indivíduo, a tarefa da educação é a seguinte: torná-lo tão firme e seguro que, como um todo, ele já não possa ser desviado de sua rota"(Friedrich Nietzsche)

                          


                         Friedrich Nietzsche

        Em lugar de utilitarismo e uniformização, o filósofo alemão propunha      cultura e aprimoramento pessoal


                Foto: Rebelde e provocador, Nietzsche se propôs a desmascarar as fundações da cultura ocidental
          Rebelde e provocador, Nietzsche se propôs a desmascarar as fundações da cultura ocidental


Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em 15 de outubro de 1844, em Röcken, Alemanha, filho e neto de protestantes. Nas universidades de Bonn e Leipzig, estudou Filologia, disciplina que lecionou na Universidade da Basiléia, na Suíça. Apaixonado por música, Nietzsche chegou a compor peças para piano. Sua carreira universitária começou a declinar com a publicação de sua primeira obra, O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música (1872). Em 1877, publicou Humano, Demasiado Humano, na forma de aforismos. Quase cego, com freqüentes crises de enxaqueca, se aposentou em 1879. Entre 1883 e 1888, publicou, entre outros livros, Assim Falou Zaratustra e dois títulos para explicá-lo (Além do Bem e do Mal e Genealogia da Moral). Nietzsche passou os últimos 11 anos de sua vida mergulhado na loucura e morreu em 1900, de paralisia geral, na cidade alemã de Weimar.

Rebelde e provocador, Nietzsche se propôs a desmascarar as fundações da cultura ocidental, mostrando que há interesses e motivações ocultas, e não valores absolutos, em conceitos como verdade, bem e mal. Com isso, Nietzsche aplicou um golpe nos sistemas filosóficos, morais e religiosos. Sua frase mais conhecida ("Deus está morto") não trata apenas de ateísmo, mas da necessidade de romper a "moral de rebanho" - as verdades tidas como inquestionáveis e o que é aceito por imposição - para viver as potencialidades humanas em sua plenitude.

Foi professor universitário e escreveu textos específicos sobre Educação. "A máxima ‘tornar-se aquilo que se é’ orienta seu pensamento nessa área", diz Rosa Maria Dias, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. "Com essa frase, ele indica a tarefa do educador de levar seus alunos a pensar por si mesmos."

O filósofo criticava o sistema escolar por ser um reforço da moral de rebanho: ao uniformizar o conhecimento e os próprios alunos, a instituição se curva às exigências externas do mercado e do Estado. Na Educação de seu país, ele via o avanço do ensino técnico sobre todos os níveis escolares com a finalidade de preparar profissionais e servidores competentes. Em lugar da massificação e do utilitarismo, Nietzsche propunha o aprimoramento individual e uma "Educação para a cultura". Entenda-se por cultura a criação de "personalidades harmoniosamente desenvolvidas", segundo Rosa Dias.




                              A habilidade de transformar


Se Nietzsche combatia a vulgarização dos conteúdos escolares, também criticava o saber voltado para a erudição. Para ele, havia em sua época um excesso de cultura histórica, que gerava uma reverência paralisante ao passado. Com isso, sufocava-se a força do agora e impedia-se o surgimento do novo. Mais ainda: a tendência histórico-cientificista impossibilitava a presença efetiva da Arte e da Filosofia no ensino, por se tratarem de campos de conhecimento instáveis e desafiadores, que estimulam a crítica.


Sem ser contra o ensino de História nem subestimar o sentido histórico dos fatos, o filósofo via no sistema engessado um entrave para a percepção da "força plástica" do ser humano - isto é, sua habilidade de transformar. "Para não agir como coveiro do presente, é necessário conhecer a capacidade de crescer por si mesmo, assimilar o passado, cicatrizar feridas, preparar perdas, reconstruir as formas destruídas - tudo isso é força plástica", diz Rosa Dias.
Nietzsche lamentava que uma espécie de ditadura da praticidade tivesse
causado a perda da importância da leitura e do estudo de língua nas escolas, levando à degeneração da cultura. Naquele momento, dizia ele, ou se via o idioma como um organismo morto a ser dissecado, ou se encaminhavam a escrita e a leitura para os usos meramente comunicativos, reduzindo os textos a um padrão simplificado, supostamente ágil e moderno.


Um dos primeiros pensadores a conceber a leitura como uma atividade que não se limita à assimilação passiva de informações, Nietzsche achava que ler era uma experiência transformadora, inclusive no sentido físico. Isso porque, para se formar leitor, é necessário educar a postura, treinar a concentração e perseverar.



                                                  Vontade de potência


Como grande admirador da Antigüidade, principalmente da cultura clássica grega, o filósofo não aceitava a separação entre o corpo e o espírito. Tampouco dissociava, em seus textos, pensamento e vida. Segundo o filósofo Gilles Deleuze (1925-1995), no ideal de Educação de Nietzsche, "os modos de vida inspiram as maneiras de pensar e os modos de pensar criam maneiras de viver".


Encontra-se nesse processo contínuo a vontade de potência, que na filosofia nietzschiana é a força motriz do ser humano. "A vida é antes de tudo uma capacidade de acumular forças", explica Rosa Dias. "Ela é essencialmente o esforço por mais potência, e para isso precisamos ser instruídos." Portanto, para Nietzsche, a Educação deveria se especializar em formar personalidades fortes, não homens teóricos ou pessoas ilustradas.


Cabe à escola, de acordo com o filósofo, produzir nos alunos a capacidade de dar novos sentidos às coisas e aos valores. Nietzsche dizia que só os jovens poderiam entender suas contestações. É, então, de supor que a idade escolar seja a melhor para levar o ser humano a pensar criticamente a respeito do mundo a sua volta. Mas, para isso, a sala de aula precisa valorizar "uma cultura da exceção, da experimentação, do risco, do matiz", nas palavras do filósofo.


Finalmente, ao educador cabe o papel de modelo, alguém que demonstra como se educar com disciplina e paciência. "Educar-se para ser educador significa, basicamente, estar à altura daquilo que se ensina", diz Rosa Dias. "O professor precisa ser mestre e escultor de si mesmo."

terça-feira, 3 de abril de 2012

“Por meio da educação, a criança vai se reconhecer como membro vivo do todo”(Friedrich Froebel)

             



                   Friedrich Froebel


     O criador dos jardins-de-infância defendia um ensino sem obrigações porque o aprendizado depende dos interesses de cada um e se faz por meio da prática




                   Foto: As técnicas utilizadas até hoje na Educação Infantil devem muito a Froebel
              As técnicas utilizadas até hoje na Educação Infantil devem muito a Froebel
 
Filho de um pastor protestante, Friedrich Froebel nasceu em Oberweissbach, no sudeste da Alemanha, em 1782. Nove meses depois de seu nascimento, sua mãe morreu. Adotado por um tio, viveu uma infância solitária, em que se empenhou em aprender matemática e linguagem e a explorar as florestas perto de onde morava. Após cursar informalmente algumas matérias na Universidade de Jena, tornou-se professor e ainda jovem fez uma visita à escola do pedagogo Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), em Yverdon, na Suíça. Em 1811, foi convocado a lutar nas guerras napoleônicas. Fundou sua primeira escola em 1816, na cidade alemã de Griesheim. Dois anos depois, a escola foi transferida para Keilhau, onde Froebel pôs em prática suas teorias pedagógicas. Em 1826, publicou seu livro mais importante, A Educação do Homem. Em seguida, foi morar na
Suíça, onde treinou professores e dirigiu um orfanato. Todas essas experiências serviram de inspiração para que ele fundasse o primeiro jardim-de-infância, na cidade alemã de Blankenburg. Paralelamente, administrou uma gráfica que imprimiu instruções de brincadeiras e canções para serem aplicadas em escolas e em casa. Em 1851, confundindo Froebel com um sobrinho esquerdista, o governo da Prússia proibiu as atividades dos jardins-de-infância. O educador morreu no ano seguinte, mas o banimento só foi suspenso em 1860, oito anos mais tarde. Os jardins-de-infância rapidamente se espalharam pela Europa e nos Estados Unidos, onde foram incorporados aos preceitos educacionais do filósofo
John Dewey (1859-1952).

O alemão Friedrich Froebel foi um dos primeiros educadores a considerar o início da infância como uma fase de importância decisiva na formação das pessoas – idéia hoje consagrada pela psicologia, ciência da qual foi precursor. Froebel viveu em uma época de mudança de concepções sobre as crianças e esteve à frente desse processo na área pedagógica, como fundador dos jardins-de-infância, destinado aos menores de 8 anos. O nome reflete um princípio que Froebel compartilhava com outros pensadores de seu tempo: o de que a criança é como uma planta em sua fase de formação, exigindo cuidados periódicos para que cresça de maneira saudável. “Ele procurava na infância o elo que igualaria todos os homens, sua essência boa e divina ainda não corrompida pelo convívio social”, diz Alessandra Arce, professora da Universidade Federal de São Carlos.

As técnicas utilizadas até hoje em Educação Infantil devem muito a Froebel. Para ele, as brincadeiras são o primeiro recurso no caminho da aprendizagem. Não são apenas diversão, mas um modo de criar representações do mundo concreto com a finalidade de entendê-lo. Com base na observação das atividades dos pequenos com jogos e brinquedos, Froebel foi um dos primeiros pedagogos a falar em auto-educação, um conceito que só se difundiria no início do século 20, graças ao movimento da Escola Nova, de
Maria Montessori (1870-1952) e Célestin Freinet (1896-1966), entre outros.

                                    Treino de habilidades


Por meio de brinquedos que desenvolveu depois de analisar crianças de diferentes idades, Froebel previu uma educação que ao mesmo tempo permite o treino de habilidades que elas já possuem e o surgimento de novas. Dessa forma seria possível aos alunos exteriorizar seu mundo interno e interiorizar as novidades vindas de fora – um dos fundamentos do aprendizado, segundo o pensador.

Ao mesmo tempo que pensou sobre a prática escolar, ele se dedicou a criar um sistema filosófico que lhe desse sustentação. Para Froebel, a natureza era a manifestação de Deus no mundo terreno e expressava a unidade de todas as coisas. Da totalidade em Deus decorria uma lei da convivência dos contrários. Isso tudo levava ao princípio de que a educação deveria trabalhar os conceitos de unidade e harmonia, pelos quais as crianças alcançariam a própria identidade e sua ligação com o eterno. A importância do autoconhecimento não se limitava à esfera individual, mas seria ainda um meio de tornar melhor a vida em sociedade.

Além do misticismo e da unidade, a natureza continha, de acordo com Froebel, um sistema de símbolos conferido por Deus. Era necessário desvendar tais símbolos para conhecer o que é o espírito divino e como ele se manifesta no mundo. A criança, segundo o educador, trazia em si a semente divina de tudo o que há de melhor no ser humano. Cabia à educação desenvolver esse germe e não deixar que se perdesse